Neste novo olhar sobre as pessoas e o que, com estas, as organizações conseguem superar, diversificar, recriar e realinhar estratégia, modelos de relacionamento e negócios.
Se existe uma marca distintiva (até poderíamos falar de aprendizagem profunda!) que fizemos com esta pandemia, esta tem definitivamente a ver com o papel que as pessoas passaram a desempenhar no quadro das empresas e organizações. Foram e são tempos marcados por processos de humanização nas empresas, muitas vezes até com aumentos proporcionais aos das necessidades impostas pelo distanciamento físico e pela proliferação de novas e renovadas ferramentas tecnológicas.
Ou seja, de forma muito simplista, poderíamos dizer que estamos perante um fenómeno de melhoria substantiva da relação social dentro das organizações, motivada pela necessidade de distanciamento físico e completamente auxiliada pela tecnologia – a mesma que, no passado, foi sendo associada à (quase) substituição dos humanos nas empresas.
Por vezes, dou por mim a pensar numa certa (quase) esquizofrenia…
Vejamos: a tal tecnologia que, no passado, era vista como contraponto do humano nas empresas – algo do tipo “o humano ou as máquinas” ou “como a proliferação da tecnologia poderia substituir algum papel das pessoas nas empresas”, muitas vezes, “uma coisa ou outra” -, constituiu um “mal necessário” (com o objetivo de retirar as pessoas de dentro das empresas na criação de mecanismos de isolamento) para criar, desenvolver e ampliar meios para que as pessoas possam efetivamente exercer a sua melhor vocação dentro das nossas organizações, a saber: ser humanos!
Uma nova centralidade
Ora, é precisamente neste contexto que podemos falar de uma nova centralidade nas organizações. O papel das pessoas visto como um novo epicentro, constituindo-se como novo (ou talvez, renovado…) centro nevrálgico de todas as ações, opções e decisões estratégicas.
Impõe-se uma nova visão sobre o papel e sobre o posicionamento das pessoas como agentes ativos na construção, recriação e flexibilização dos processos de trabalho em face dos novos contextos de profunda incerteza. Esta necessidade de re.centrar o próprio sentido do trabalho e da organização-empresa onde esse trabalho é exercido, associada à necessidade de “descolar” a ideia de trabalho do espaço físico ou da dimensão geográfica, ao mesmo tempo que se reforça o foco que as pessoas dão ao trabalho que exercem (num quadro cada vez maior de gestão de identidades diversas), parece fazer surgir uma gestão multifocal de processos e relacionamentos múltiplos em diversas plataformas.
Neste sentido, se acima falámos de quase esquizofrenia, neste ponto poderemos falar de (quase) alienação mental, dada a necessidade de permanente alteração comportamental em face da permanente nova (a)normalidade.
Re.centrar o posicionamento de líderes e liderados nas nossas empresas
Vivemos hoje, indiscutivelmente, o momento histórico em que a gestão se faz em ambientes altamente instáveis e em constante elevada turbulência. Há, pois, que pensar exatamente como a aviação estava há muito preparada para prever e tentar antecipar o maior número de cenários possíveis.
Na aviação, o piloto, quando pensa e desenha uma rota para um qualquer destino, tem sempre de pensar e prever o necessário combustível para poder divergir na rota ou no destino, em caso de emergência ou necessidade em função da existência de aeroportos alternativos. Toda a tripulação tem de confiar mas também tem de ser confiável em todas as suas ações e comportamentos, conquanto toda a equipa consegue encontrar sempre as melhores soluções em cada momento face aos mais atribulados desafios. Exige-se, por isso, um novo olhar sobre a importância da auto-liderança e da hetero-liderança. Desta forma, o exercício de, ao mesmo tempo, as pessoas poderem ser líderes e liderados, passa a ser um dos maiores desafios da liderança.
Reposicionar as novas relações de uma liderança “cuidadora”, assentes em bases de acompanhamento dos ritmos da transformação digital, de gestão dos fracassos em contextos de learning organizacional, de permanente adaptação, flexibilização e “agile doing”, ao mesmo tempo que transformam e trabalham sobre uma cultura organizacional assente nas pessoas e numa diversidade cognitiva, é porventura o maior dos desafios dos atuais “digital leaders” que atuam em contextos de emergência organizacional.
Re.centrar… um novo guião e um novo vocabulário
Neste novo olhar sobre as pessoas e o que, com estas, as organizações conseguem superar, diversificar, recriar e realinhar estratégia, modelos de relacionamento e negócios, assume especial preponderância o surgimento de um conjunto de novos valores e competências devidamente percecionados e enquadrados em novos guiões de comportamentos, ações, modelos de atuação, constituindo-se estes como verdadeiras “power skills” para as pessoas das empresas.
Em termos muito básicos, poderíamos enquadrar estas novas competências como fonte direta de poder para as pessoas, que as detêm e que as mobilizam nos vários momentos, e para as empresas, que ganham valor pelo poder da reação e da concretização e que ajudam e cuidam para que estas façam parte do seu aprendizado organizacional.
Estou a falar de palavras (novas poderosas) e, sobretudo, do seu significado em contexto das pessoas e das organizações, tais como: otimismo, curiosidade, empatia, generosidade, integridade, compaixão, ética, verdade, capacidade de perdoar, inspiração, ser poderoso, entre outras.
São estas as verdadeiras “power skills” que permitem às empresas o necessário realinhamento permanente, tendo em vista uma eficaz gestão dos velhos e novos dilemas, ou simplesmente gerir contrastes, que afetam as dinâmicas, as pessoas e os negócios. Entre estes os clássicos: confiar/desconfiar; falar verdade/mentir; certeza/dúvida; falar/ouvir; pensar/sentir.
Re.centrar o posicionamento da gestão de pessoas nas empresas
Por último, mas talvez o mais importante, uma nova centralidade e um consequente reposicionamento dos processos de gestão de pessoas nas empresas. De uma gestão de pessoas em emergência, rapidamente a pandemia fez com que se evoluísse para desafiadores quadros de convergência.
Uma gestão prática das emoções nos locais de trabalho, e fora destes, uma gestão proativa das condições físicas (saúde e segurança) das suas pessoas, uma dinâmica proativa de gestão de medos e confianças internos em convergência com um propósito compartilhado que seja inspirador, mobilizador, convidativo, confiável, autêntico, orientador, fidelizador de todas as pessoas e interessante para todos os segmentos e stakeholders das organizações, incluindo os clientes.
Há aqui um movimento que “faz magia” nas empresas e que verdadeiramente corresponde “à alma do negócio”!
Uma gestão de pessoas que alimenta esta ligação de orientação de um “pensamento maior” para atrair e fidelizar, fornecendo guiões assentes em processos ágeis e autênticos, lógicas atrativas de reinvenção e recriação permanentes, desafiando e resgatando a essência para se reaprender, reconstruir, reinventar sem perder o norte e o fôlego, é uma gestão de pessoas que assume um novo protagonismo e assume-se no centro da estratégia e das dinâmicas dos negócios.
Há nesta renovada ação compromissos com o futuro da organização, com a passagem de uma lógica de training para uma lógica de learning e que desenvolve todos os processos e meios a partir das suas pessoas, da experiência e na vivência destas no quadro da própria estratégia do negócio.
Uma nova gestão de pessoas com muito mais dúvidas do que certezas, com muito menos verdades absolutas, mais estimulada – pela curiosidade e desafios, pelas dinâmicas do negócio -, e hábil numa resposta de curto prazo e sem medo de errar, é assumir que este pode ser mesmo o momento de… para se dar dois passos à frente, ser necessário dar um passo atrás!
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